Highlights Congresso Internacional em Doenças Infecciosas 2018
Sucesso no manejo de infecções do trato respiratório adquiridas na comunidade e redução da resistência antimicrobiana - é possível atingir estes dois resultados?
1.Introdução

Dra. Puja Kochhar, Diretora Médica de Doenças Infecciosas da GSK, fez a apresentação do simpósio discutindo a ameaça da crescente resistência antimicrobiana (RAM) (Figura 1). A RAM não é um problema que pode ser solucionado por qualquer país sozinho, ou até mesmo por qualquer região sozinha e, portanto, uma ação global é fundamental para atingir um progresso significativo a longo prazo.1
Em 2016, as indústrias farmacêutica, biotecnológica e de diagnóstico se uniram através do acordo de Davos,2 no qual se comprometeram em reduzir o desenvolvimento da RAM, em investir em P&D de forma que atenda às necessidades da saúde pública, com diagnósticos e tratamentos inovadores, em melhorar o acesso a antibióticos de alta qualidade e assegurar que os novos produtos estejam disponíveis a todos. Muito recentemente, o Antimicrobial Resistance Benchmark3 proporcionou a primeira avaliação independente sobre como as empresas farmacêuticas estão respondendo à RAM ao investigar 10 áreas específicas, como P&D, vigilância da RAM, acesso e orientação para provedores de cuidados à saúde.
Essa avaliação independente concluiu que a GSK:3
• É líder em P&D entre as grandes empresas farmacêuticas focadas em pesquisa
• Tem o maior portifólio de produtos antimicrobianos com foco em patógenos prioritários
• Combina estratégias de precificação com medidas para promover o uso adequado de antibióticos de primeira linha, já sem patentes
• É uma das quatro empresas que estão se destacando na área de acesso adequado e liderança, incluindo a desassociação de incentivos para a equipe de vendas com base em volume de vendas de antibióticos
Figura 1: O desafio global da RAM

2. Tratamento de infecções do trato respiratório superior (ITRS) em crianças

Professor Marco Aurélio Sáfadi Professor Associado da Pediatrics. Chefe do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, no Brasil, realizou uma apresentação chamada "Uso racional de antimicrobianos em infecções do trato respiratório superior em crianças".
Há um espiral vicioso, onde o uso indiscriminado de antibióticos leva a um aumento na resistência antimicrobiana, um aumento em doenças graves e uma necessidade maior por antibióticos de amplo espectro.6 ITRSs são uma das doenças mais comuns em crianças e são reconhecidas como a principal causa de atendimento médico e prescrição de antibióticos em países desenvolvidos.7,8 No entanto, a maioria dos casos de ITRS em crianças apresenta etiologia viral, evolução autolimitada e, geralmente, é benigno.7,8 Portanto, o diagnóstico preciso é essencial para identificar as crianças que irão se beneficiar de antibióticos.6,9
Há uma tendência crescente em direção ao abuso de antibióticos, especialmente antibióticos de espectro amplo, o que, por sua vez, acaba contribuindo para o crescimento da RAM e também pode causar eventos adversos potencialmente evitáveis e custos desnecessários.7,8,10 O uso excessivo de antibióticos foi destacado por um estudo que demonstrou que até 10 milhões de consultas médicas por ano que resultam em prescrições de antibióticos são para condições respiratórias para as quais é improvável que tais medicamentos ofereçam benefícios.8 Evidências recentes apontam uma ligação entre a exposição precoce de bebês a antibióticos com efeitos a longo prazo em doenças metabólicas, do sistema imunológico e de desenvolvimento.11,12 Os antibióticos definem a ecologia do microbioma intestinal de forma profunda, causando alterações duradouras em microbiotas maduras e em desenvolvimento.12
Diagnóstico adequado
Em faringoamigdalites, por exemplo, onde muitos casos são de etiologia viral,13 os exames microbiológicos adequados podem detectar estreptococos do Grupo A (EGA) nas crianças. Tais exames são altamente específicos e a utilização de testes de detecção de antígenos em prontossocorros aumenta de forma significativa o número de pacientes tratados adequadamente para faringite por EGA em comparação com culturas de orofaringe tradicionais.14,15 Penicilina ou amoxicilina (50 mg/kg/dia) por 10 dias, via oral, é a terapia recomendada para a faringite bacteriana.15
Síndrome de Febre Periódica, Estomatite Aftosa, Faringite e Adenite (PFAPA) é uma entidade clinicamente reconhecida, porém, de patogênese controversa. Seu tratamento é essencialmente sintomático, feito com corticoide sistêmico, principalmente. Entretanto, alguns estudos demonstraram que a tonsilectomia com ou sem adenoidectomia é mais efetiva a longo prazo para a resolução da patologia que a corticoterapia. Os antibióticos não são indicados para o tratamento desta síndrome.16
Otite média aguda (OMA) e sinusite. Os agentes etiológicos mais comuns são S. pneumoniae, H. Influenzae não tipável (HiNT) e M. catarrhalis.6 O S. pneumoniae geralmente causa o primeiro ou os primeiros episódios de otite média aguda que podem levar a episódios mais complexos associados com infecções de espécies mistas, com HiNT e formação de biofilme.17 Bactérias em biofilmes são difíceis de detectar e estão associadas à persistência e RAM.17 O tratamento com antibióticos é benéfico em crianças com OMA grave, OMA com otorréia e OMA bilateral em crianças < 2anos.18
Na sinusite aguda, os antibióticos devem ser prescritos para crianças com sintomas de início severo ou de agravamento ao longo do caso. A amoxicilina é considerada uma terapia de primeira linha e outras opções estão listadas na Figura 2.9,18
Figura 2: Tratamento de OMA e sinusite9,18,19

Parâmetros farmacocinéticos (FC) e farmacodinâmicos (FD) podem ser utilizados para prever a eficácia dos antimicrobianos frente às bactérias. Por exemplo, níveis sistêmicos dos antibióticos beta-lactâmicos acima da CIM em >40% do tempo, considerando o intervalo entre as doses, correlacionam-se com um bom prognóstico clínico e erradicação bacteriana, em pacientes em tratamento de OMA.20 Isso é obtido em doses padrão para a maioria dos patógenos, mas pode necessitar do aumento da dose de amoxicilina na presença de S. pneumoniae com baixa suscetibilidade.18
Prescrição criteriosa de antibióticos
É fundamental uma avaliação cuidadosa da necessidade de prescrever antimicrobianos, definindo critérios rigorosos para o diagnóstico e o manejo terapêutico das ITRSs bacterianas mais comuns, incluindo OMA, sinusite bacteriana e faringite estreptocócica. Tais estratégias devem ponderar os benefícios e malefícios de antibióticos, levando-se em consideração os dados de resistência locais sobre os patógenos mais prevalentes nestas condições, a escolha de antibióticos de espectro estreito em uma dosagem adequada e a duração do tratamento.21
Duração do tratamento
Limitar a duração do tratamento antimicrobiano é uma estratégia em potencial para reduzir o risco de RAM, porém, tal estratégia foi questionada em crianças com OMA. Em um estudo comparativo recente, 520 crianças com idade entre 6 e 23 meses, com OMA, receberam amoxicilina com clavulanato 90mg/kg/dia por uma duração padrão de 10 dias ou por uma duração reduzida de 5 dias seguida por placebo por 5 dias.
O resultado foi medido em termos de resposta clínica, recorrência e colonização nasofaríngea. Os resultados, resumidos na Figura 3, demonstram que uma duração reduzida no tratamento antimicrobiano para crianças com OMA resultou em resultados menos favoráveis do que o tratamento com a duração padrão; além disso, nem a taxa de eventos adversos e nem a taxa de surgimento de RAM foi inferior com um regime mais curto.22
Figura 3: Taxa de insucesso clínico em crianças com OMA tratadas com um regime de tratamento de 5 ou 10 dias 22

3. Vigilância antimicrobiana e gerenciamento de pacientes

Professora Jorgelina Smayevsky, Bioquímica especialista em Microbiologia Clínica, Professora Associada de Microbiologia Clínica na Escola de Medicina do Instituto Universitário CEMIC, em Buenos Aires, na Argentina, fez uma apresentação chamada “Impacto clínico da vigilância de antibióticos na gestão de pacientes infectados”.
A RAM existe em todo o mundo com novos mecanismos de resistência continuando a surgir e a se espalhar globalmente.5 A Assembleia Mundial da Saúde (o órgão responsável pela tomada de decisões da Organização Mundial da Saúde) respondeu à crise do aumento da RAM adotando, em 2015, um Plano de Ação Global, o qual incluía:23
• Melhorar a compreensão sobre a RAM através de comunicação eficaz, ensino e treinamento
• Melhorar a vigilância global sobre a RAM e pesquisas
• Reduzir a incidência de infecções
• Otimizar o uso de agentes antimicrobianos
• Aumentar os investimentos em novos medicamentos, ferramentas de diagnóstico, vacinas e outras intervenções
O Plano de Ação Global destacou a vigilância sobre antibióticos como um aspecto essencial do combate à RAM. Isso foi reiterado no relatório iniciado pelo governo do Reino Unido, feito por Lord Jim O'Neill em 20161 , o qual concluiu que a RAM deve ser combatida globalmente. Além disso, as recomendações incluíram a melhora da vigilância global sobre a RAM e das quantidades doconsumo de antibióticos em seres humanos e animais.1
As tendências de suscetibilidade a antibióticos fornecem evidências indiscutíveis de evolução da RAM e a vigilância é fundamental para combater a resistência, alertar sobre os novos mecanismos da RAM e fornecer informações para orientar a prescrição adequada de antibióticos, a qual, por sua vez, pode ajudar a retardar ou parar o aumento dos níveis de RAM.1
Importância dos exames de vigilância em infecções do trato respiratório adquiridas na comunidade (ITRs-AC)
Infecções do trato respiratório inferior são a causa mais frequente de morte devido a doenças infecciosas em todo o mundo.24 A crescente prevalência da RAM entre os principais patógenos responsáveis pelas ITRs-AC é um problema grave que tem complicado o manejo destas infecções.25 O conhecimento de padrões de resistência é especialmente importante para a gestão de ITRs-AC, uma vez que o tratamento geralmente é empírico, sem a identificação de organismos causadores ou da sua suscetibilidade.26
Pesquisa sobre Resistência a Antibióticos (SOAR - “Survey of Antibiotic Resistance”)
A SOAR é um estudo em andamento sobre a vigilância epidemiológica dos principais patógenos respiratórios e tem monitorado a RAM no Oriente Médio, na África, na América Latina, na região do Pacífico Asiático e na Comunidade dos Estados Independentes desde 2002.27 O principal foco do estudo é testar os dois principais patógenos relacionados às ITRs-AC: S. pneumoniae e H. influenzae (além de S. pyogenes e M. catarrhalis coletadas por alguns centros). Os resultados são analisados de acordo com três metodologias reconhecidas e padronizadas: Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI), European Committee for Antimicrobial Susceptibility Testing (EUCAST) e pontos de corte baseados em PK/PD.27
Um suplemento publicado em 2016 no Journal of Antimicrobial Chemotherapy compilou dados individualizados de alguns países e regiões. Os resultados da SOAR para os seguintes 17 países foram incluídos: Bahrein, China, República Democrática do Congo, Índia, Costa do Marfim, Quênia, Líbano, Omã, Paquistão, Senegal, Singapura, Coreia do Sul, Tailândia, Turquia, Emirados Árabes Unidos, Ucrânia e Vietnã.28 Os estudos da SOAR fornecem não apenas dados de suscetibilidade local para identificar tendências epidemiológicas de cada país. Como utilizam a mesma metodologia e os mesmos pontos de corte em todos os estudos, também podem comparar a suscetibilidade dos patógenos entre os países, conforme mostrado na Figura 4.
Figura 4: Suscetibilidade de S.pneumonia - comparação de todos os países participantes

Tendências de vigilância para S. pneumoniae na América Latina
Em 1993, a importância das meningites e pneumonias bacterianas levou a Pan American Health Organization (PAHO) a implementar o SIREVA (Sistema de Redes de Vigilancia de los Agentes Responsables de Neumonias y Meningitis Bacterianas): um programa de vigilância epidemiológica baseado em uma rede de hospitais sentinelas. O estudo mais recente, SIREVA-II, apresenta os dados de suscetibilidade das cepas de Pneumococo isoladas de infecções invasivas, em 19 países (Figura 5).
Figura 5: Países participantes do SIREVA II34

Os dados do SIREVA podem ser utilizados para proporcionar uma visão ampla da suscetibilidade dentro da América Latina, Além das informações detalhadas para cada país participante (Figura 6)35,36
Figura 6: S.pneumoniae: sensibilidade à penicilina (SIREVA II, 2012-2014)35,36

4. Conformidade com as diretrizes na gestão de ITRs-AC

Professor Gustavo Lopardo, Professor de Doenças Infecciosas da Universidade de Buenos Aires e Consultor Clínico de Doenças Infecciosas do Hospital Municipal Dr Bernardo Houssay de Vicente López, fez uma apresentação intitulada “Gestão de ITRs-AC – a importância da conformidade com as diretrizes”.
As diretrizes das práticas clínicas podem ser definidas como declarações desenvolvidas sistematicamente para auxiliar as decisões do médico e do paciente sobre os cuidados de saúde adequados para circunstâncias clínicas específicas. Elas se tornaram ferramentas cada vez mais populares para a síntese de informações clínicas. Os objetivos das diretrizes incluem a melhora da adequação da prática clínica, a melhora da qualidade dos cuidados e a obtenção de resultados melhores para o paciente.37
O entusiasmo pelas diretrizes das práticas decorre da crença de que elas melhoraram a qualidade dos cuidados. Ao promover as práticas clínicas de eficácia comprovada, as diretrizes podem ajudar a otimizar os resultados dos pacientes e a desencorajar a realização de intervenções ineficazes. A conformidade com as diretrizes pode melhorar a consistência dos cuidados de forma que pacientes com condições semelhantes sejam tratados da mesma forma, independentemente de onde, ou de quem eles recebem cuidados.37
A Infectious Diseases Society of America15 e a European Society for Clinical Microbiology and Infectious Diseases38,39 desenvolvem diretrizes regularmente, permitindo que a maioria dos países tenha fácil acesso a um tratamento consitente das ITRs. As diretrizes combinam resultados de vigilância com o uso racional de antibióticos. Estudos demonstraram que nem sempre os clínicos gerais seguem as diretrizes. Um estudo recente na Alemanha identificou uma grande lacuna entre a recomendação das diretrizes e o que acontece de fato no ambiente clínico (Figuras 7 e 8). Esta lacuna pode ser fechada por ciclos periódicos de qualidade em prescrição de antibióticos para clínicos gerais.40
Figura 7: Proporção de consultas com prescrição de antibióticos em conformidade com as diretrizes DEGAM40

Figura 8: Proporção de consultas com a prescrição do antibiótico correto em conformidade com as diretrizes DEGAM40

Duração do curso do antibiótico
Um artigo recente no British Medical Journal chamado “The antibiotic course has had its day”41 (O curso de antibióticos já teve seus dias) refere-se à relação entre a exposição e o desenvolvimento de resistência a antibióticos, individualmente e coletivamente. Os autores promovem a redução do uso desnecessário de antibióticos em consonância com os objetivos do Plano de Ação Global da OMS.23 Embora existam poucas evidências que sustentem a duração do tratamento, publicações relatam que cursos curtos de antibióticos são suficientes para obter a cura clínica e microbiológica na maioria das infecções ambulatoriais.42-45 O risco maior de desenvolver resistência com cursos prolongados de antibióticos é discutido na publicação do BMJ e os autores sugerem “interromper assim que você se sentir melhor”.41 No entanto, o Professor Lopardo menciona que a duração do tratamento não deve ser delegada ao critério do paciente, mas que deve ser prescrita por um médico, levando em consideração a menor duração possível com base nas evidências existentes.
A Infectious Diseases Society of Argentina desenvolveu recomendações para o tratamento de infecções frequentes na comunidade para evitar a prescrição desnecessária de antibióticos, além do uso de antibióticos de espectro reduzido e da prescrição de cursos mais curtos,46-50 reduzindo assim consideravelmente os danos decorrentes do uso de antibióticos para a comunidade que é exposta.
É importante advertir que durante a produção das diretrizes, a tentativa de padronizar cuidados pode ignorar a heterogeneidade de pacientes e a complexidade das decisões médicas.37 As orientações das diretrizes podem não ser adequadas para todos os indivíduos, uma vez que as doenças podem se apresentar de formas clinicamente distintas em cada paciente. 37